Fazia nada. Era o que seu corpo e mente desejavam. Fazer nada. Aliás, pouca vontade era expressada, pouco sentimento, poucos sentidos. Esses sumiam aos poucos sem que percebesse.
Cética. Havia se tornado cética, assim como os cirurgiões que ela via em Grey's Anatomy.
Tudo não passava de uma boa desculpa para continuar se arrastando dia após dia. Sem família, amigos ou namorado. Tudo a havia abandonado e não se sentia só, afinal, ela não sentia.
Gostaria de dormir o dia inteiro se assim fosse possível, não tinha mais vontade de ler seus preciosos livros ou suas tão amadas músicas, nem a arte a fazia sorrir mais. Nem suas prórpias piadas contadas a si mesma em momentos de solidão.
O natal já estava ali perto e o ano novo logo atrás. Festas, festas, festas...nada disso fazia o menor sentido. Não sentia nem vontade de ganhar presentes. Não fazia diferença.
Havia se tornado parte da mobília do quarto, continuava estática, apática, pálida. Uma lágrima rolava, depois outra e mais outra, sincronizadamente, em tempos perfeitos e ângulos métricos e idênticos.
O dia cinza tornava tudo mais robótico e mecanizado, tudo ficava mais cidade, mais poluição, carros e bolsa de valores. Tudo mais capital e menos viceral. Antes das batidas discretas na porta, não ouvia barulho algum. Agora a voz de sua mãe invadia o quarto e atravessava os ouvidos que pouco prestavam atenção aos fonemas desastrosamente arranjados que tentavam formular uma sentença pretensiosa e brava, triste ao mesmo tempo, angústiada voz que se embargava e travava a cada não-reação da garota deitada de bruços sobre a colcha de retalhos molhada pelas gotas calculadas que caiam distraídamente dos olhos castanhos vivos esquecidos no vazio que se encontrava a mente dela. A mãe se foi. O vazio e silêncio tomaram outra vez o cômodo.
Alguns raios teimosos, que o sol fazia o possível para atravessar a cortina parcialmente fechada, chegaram tímidos ao assoalho cuidadosamente lustrado e a fizeram refletir esperança em direção aos cabelos escuros e o coração se echeu de luz e o quarto e os olhos castanhos vivos-vivos agora e a mobília se mexeu e olhou o chão novamente e sua mente saiu do nada para o brainstorm, os raios e trovões que faziam o cérebro chacoalhar e os ouvidos afinados atreveram-se a ouvir o mar que não existia ali, mas estava onde ela queria estar, para onde ela iria e não haveria ser que impediria. Estava assim combinado entre ela e ela mesma. Iam viajar.
Não que a fizesse sentir, mas já era um começo...
Eu quero ver o mar,
sem lenço,
sem documento,
sem ter com o que me preocupar.
Eu quero ver o sol,
quero a luz batendo em meu rosto
me fazendo acordar.
Eu quero sentir o cheiro
da maresia
extasia
alegria outra vez.
Eu quero andar nos grãos
na areia e ver o sol se pôr outra vez.
Todo dia.
Eu quero ir
não, não vou fugir.
Vou me esconder da tristeza
e ter a esperteza de sentir outra vez...