Céu da Boca

24.5.15



Pondero as palavras antes de emancipá-las. Elas germinam no céu da minha boca, e eu as degusto. Saboreio cada sílaba, e as toco com a ponta da língua, misturando umas as outras, até encontrar uma combinação que me agrade.

Não é rotina, esse escrever desenfreado. Às vezes é preciso esperar a ideia fermentar, até que dobre o tamanho. E ainda é preciso trabalhar a ideia: sova e estica, torna a juntar; sova e estica de novo. Até que a ideia esteja homogênea e pronta para ser deglutida.

É um incômodo secundário, no começo parece não ser nada. Ali está, pinicando seus neurônios. Às vezes é só uma visão, uma cena entrecortada, é um borrão de um pedacinho de nada. Insisto em não lhe dar atenção, faço que não sinto, finjo que não penso; há tantas outras coisas a serem feitas. Até ser inevitável- inviável não fazê-lo. Essas histórias tantas a serem contadas, colhidas ao vento, como sementes de um dente-de-leão que se espalharam pelo mundo.

Sem essas vidas, essas linhas latentes de vozes, não sou nada. Sem meus dedos sobre as teclas ou as canetas sobre papel, que deslizam mesmo antes de eu permitir, não vou a lugar algum.

Essas palavras que explodem feito estrelas no céu da minha boca são as mesmas que nascem no escuro do estômago, na frequência cardíaca.

Minha memória é como aquela gaveta que de tudo um pouco se encontra, um cortador de unha, uma linha preta com agulha espetada, um punhado de elásticos de cabelo, uma vela meio queimada, um santinho de Santa Rita de Cássia, botões de camisas já doadas, e histórias, receitas, pessoas, pedidos, poemas, palavras, palavras, palavras sem sentido, palavras sem dono, palavras sem coisas, palavras antigas, ditados.

Parece não haver valor nesse amontoado de coisas aleatórias, botões de camisas que já não existem e palavras sem coisas para lhes definir como nome.  Mas há. É de um valor não mensurável.

Que palavras nunca me faltem. Que a gaveta esteja sempre ao alcance, nunca se sabe quando precisamos de uma linha preta e agulha para um remendo qualquer.

Essa fome de histórias, me enche a boca d’água ao pensar em palavras que dissolvem na língua como sal de frutas, e elas vêm sem eu pedir, e chegam a transbordar quando não lhes dou a devida atenção.

Devo ter mesmo um pé de letras adubado com muito Graciliano e Drummond, com muito Pessoa e Hilst; então ele cresce, e as letras caem do pé e germinam palavras no céu da minha boca que desata a dispor vocábulo após vocábulo, numa fala engraçada, quase senil.

QUE TAL MAIS UM?

1 Comentários

  1. não sei se foi pela coincidência de estar ouvindo El Perro Del Mar enquanto lia o texto, mas ele me pareceu bem saboroso e identificável. escrevi algo nesta mesma linha há um tempo no meu semi desativado blog (mundobede.wordpress) e a sensação-desejo é a mesma: Que palavras não me faltem.

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