Samba & Amor

21.7.14





O ronco poluído dos motores atrasados é um mero zumbido em meus ouvidos. Sinto o cheiro de meio dia, de manhã perdida entre os lençóis de linho. O disco de Lupicínio gira em vão na vitrola no canto do quarto, só o chiado se faz presente agora.

O sol forte esquenta a estrutura do apartamento e sinto o suor escorrer em minhas costas lentamente. E me lembro de quando o dia ainda nem tinha raiado; de quando a cidade lentamente acordava e as buzinas eram espaçadas. Lembro-me do contraste entre o fio gélido de suor que corria por entre os seios e o ardor dos dois corpos entrelaçados no meio do colchão.

O despertador toca ao longe, me acorda do transe. De repente, levantar fica pesado; como se as lembranças fossem se apagar no momento em que puser meus pés no chão. Ainda tenho os músculos tensos e a visão turva, ainda sinto como se tudo estivesse ali.

Num espreguiçar despretensioso, toco o lado esquerdo da cama que está vazio. O travesseiro ainda exala o pós-barba, mas a frieza dele acusa que não há corpo presente faz tempo. Janela afora, as buzinas gritam com mais ardor agora. O dia começou sem mim, e que assim seja. 

Aqui dentro, a garrafa vazia de cerveja pousa cambaleada no meio do quarto, os dois copos descansam um ao lado do outro. As roupas ainda estão pelo chão, algumas cobrem o violão. Minha cabeça gira numa dor prazerosa. Em prosa, eu penso em me levantar novamente, mas o cansaço me alcança. E nessa dança, que nossos corpos se encontraram, me faz sorrir sozinha, me faz desejar a próxima música.

O despertador grita seu segundo aviso e eu gemo; não como ontem, não como agora pouco. É um gemido covarde de quem não tem pretensão alguma de abandonar os lençóis. Ouço, então, o barulho desajeitado de pratos e copos que em nada se parecem com o som dos corpos de horas atrás. É ele, na porta, de copo e cuia, de café da manhã. De cabelo emaranhado, de barba proeminente. É ele sorrindo de orelha a orelha, de voz rouca que acaba de acordar.


O dia preguiçoso faz de mim um instrumento de deleite puro e simples. Cá estou, sob os lençóis de linho, enquanto a vida acontece lá fora. Enquanto o trânsito grita, a gente sussurra. Enquanto o mundo gira, a gente flutua um na órbita do outro. Deixa o café para mais tarde, ele substitui o Lupicínio pelo Chico para começar tudo outra vez. Afinal, o dia contorna a nossa cama e não temos a quem prestar satisfação.

QUE TAL MAIS UM?

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