E então disse: "Fui clonada."
"Não é possível." disse ele espantado.
"Fui clonada e repetida, mas fui aprimorada e quem anda por aí
comigo já é melhor e maior do que eu. Usaram a moldura e aprimoraram a obra.
Sou obsoleta e esquecida. O molde está morto." disse com angústia na voz.
"Quantas vezes você viu você em alguém?"
"Muitas. Todos os dias. Sou eu, ali, fazendo tudo melhor e sendo
mais feliz fora de mim."
"Quem fez isso?"
"Todos, tudo. E nem
créditos eu recebo. Sou a matriz. Visitei lugares, conheci culturas, casei,
dancei, bati. Dei a luz a trigêmeos e não senti. A cada cicatriz e a cada
tatuagem minha em um corpo não-meu, eu regresso. E me vejo entre olhares no
metrô. Apaixonando-me a cada instante em todos os lados do vagão. Estou perdida
em Eus por aí. Me clonaram, já disse?"
“Já” suspirou ele
impaciente. “como se sente?”
“Sinto o tempo esvair-se enquanto eu faço tudo o que queria, mas não sou eu. Entende? Estou em todos os
lugares, fazendo tudo o que sonhei, mas não sou eu. São eles. Esses todos que
me clonaram e fizeram partes de minha história como se fossem deles. Sinto
impaciência ao saber que se eu, não-sendo, já fiz, por que então deveria eu, a
matriz, fazer de novo?”
“Não faz sentido. Você
pode fazer o que quiser, quantas vezes quiser!” Esbravejou ele.
“Não posso! Roubaram meu
pedaço de memórias. Escreveram suas próprias versões. Me perdi juntando sonhos
enquanto os clones, eles, dividiram entre si meus muitos sonhos e foram
vive-los!”
“Então, enquanto você
sonhava, seus...clones viviam eles por você?”
“Exatamente. Cada parte e
cada sensação. Os lugares, as fotos e memórias. Eu queria algo e pronto, alguém
fazia exatamente como eu imaginava...às vezes melhor. O que me restou fazer, enfim?”
“Ainda restam-lhe muitas
coisas. Para começar, pode parar de sonhar e começar a viver. Uma vida nova,
dessas que eles ainda não sabem o que você quer, que nem você sabe o que quer!
Um passo de cada vez.”
“Por onde? Se todos os
caminhos que conheço já foram trilhados antes de mim?”
“Por aqueles que você
pode sempre mudar quando se sentir a vontade.”
Calei-me, talvez fizesse
sentido.