Desembarque pelo lado esquerdo do trem

23.7.12

Resolvi ouvir aos sons da cidade, eles me diriam o que escrever e para onde ir. Resolvi desplugar os fones e tirar a tampa para que escoasse a água do tanque no qual minha cabeça encontrava-se submersa. Ouvir e sentir o preenchimento de vozes e pensamentos mudos, cheios de significados óbvios. Da falta de malícia dos dedos curvados sobre o apoio do trem.

Resolvi sentir o frio que me congelava os ossos. Do frio que me fechava os poros e me abria os olhos e nada nem ninguém me passam em branco. Minto. Enquanto escrevo, milhares de vidas se passam por mim e ouço fragmentos difusos de vidas inteiras. Ouço lacunas e ideias que preencheriam um livro. Não! Preencheriam dez deles!

Fios invisíveis entrecortados, quilômetros de distancia.

Eu tento olhá-los nos olhos, um a um tento entendê-los. Não consigo, imagino-os. Quem são? E seus dias? Histórias? Quem são seus avós? Seus santos do Candomblé? E são histórias inteiras, inventadas a rolo. Tendo apenas o som ambiente como trilha, que é viva e se torna personagem de si.

O que são eles e o que os tornaram assim? Quais traumas? Vitorias? O senhor de cabelos grisalhos e falhos, está em frangalhos. Roupas puídas, colarinho invertido de outras usadas. A jaqueta riscada à risca de um veludo cotelê, cheia de pó. As juntas da mão esquerda cheias de nós, de quem empunhou um martelo e bateu, bateu, bateu. A cada três toques, uma pausa e recomeça outra vez. Quina a quina para unir, montar, construir. E volta cansado, amargurado pela chuva que lhe molhou o compensado, estragando lhe o dia de trabalho. Olha para o céu estrelado e pensa: "amanhã subiremos telhado, viga a viga. Trabalho dobrado". Olha para o chão e pensa na marmita, bendita a ser aprontada. Benedita a fará..


- Estação Tatuapé, desembarque pelo lado esquerdo do trem.


E chega. O deixo parado, plantado do outro lado do trem. Projeto-me para fora e, de sola, de supetão, trombo em outra história, outro relato. De fato, me perco. Onde estava, para variar?

QUE TAL MAIS UM?

1 Comentários

  1. "Não há o que lamentar
    quando chega o fim do dia
    Se despede da sua dor
    Diz adeus à sua alegria!"

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