Começara com uma dor de cabeça insistente, focar não me era mais permitido. O tempo passou e a neblina temporária tornara-se constante e cada vez mais densa. Como uma câmera quebrada, o foco no distante não correspondia. Meu todo andava bem micro e o macroambiente era cheio de distrações barulhentas e sem sentido. Andaram achando que era catarata, depressão, pressão alta. Acharam até que era mau olhado.
Irritada; com vontade de jogar meus óculos no chão e quebrá-los porque não queria mais
enxergar mesmo. Não queria mais alimentar o que não parava de crescer. E
deixaria de enxergar tudo e todos, de uma vez por todas. Queria adiantar o que o
final da linha já havia me reservado. Não sabia se a ansiedade era esperar pela
morte ou pela próxima consulta ao oftalmologista.
- Aumentou.
- É?
- É. Aumentou pouquinho, né?
- Humm. Marca na prescrição. Vou levar
na ótica.
- Não quer saber quanto?
- Não faz diferença, né? Já não
enxergo nada mesmo.
- ...
- Obrigada, doutor. Até a próxima.
- Olha, me aposento semana que vem.
- Só minha miopia não aposenta.
Perdera a conta de quantos médicos
já foram os meus. De quantas vezes ouvi: “esse ou o outro?”, ora respondia
“esse”, ora “o outro”. E tornavam a perguntar “esse ou o outro” e trocavam
a lente. E eu respondia “não sei, volta”, só para variar. E quantas vezes o
embaraço me atingia quando era obrigada a ler as malditas mesmas
letrinhas ao fundo da sala escura. “Você pode ler a primeira linha para mim?”.
”Claro,” respondia eu e começava “L, S, D, E? F? Desculpa, posso começar de
novo?”. Sempre. Nunca me poupavam o constrangimento de não fazer a menor ideia
da diferença entre um ‘P’ e um ‘R’ quando se está a 6 metros de distância e
vários graus longe do seu ideal de “imagem HD”.