Sobre clichês, letras e sonhos

8.10.09

E ingenuamente pensava e desejava que aquelas estrofes haviam sido escritas para mim. Aquele homem de voz rouca que sensualmente sussurrava tão belas palavras em meus ouvidos transportava minha mente para junto dele, eu sentia que logo meu corpo cederia as sensações criadas por minha fértil imaginação alimentada por melodia branda e provocativa. Certa de que estava entorpecida de vinho, me torturava e contorcia de prazer inventado, de beijos e juras suadas trocadas em meio ao furor tenso e revelador de lençóis amassados e roupas esquecidas num canto qualquer do quarto de tons neutros e mobiliário vitoriano. O sol batia com a leveza do fim de tarde de outono e trazia uma brisa fresca que me provocava mais arrepios dos que já podia sentir percorrendo minha espinha. E como esperado o clichê nos atingiu no auge e então dissemos de lábios inchados um "eu te amo" agraciado e satisfeito. Sentindo seu peso sobre mim, me dei conta que aqueles braços enrolados em minha cintura e aquelas mãos fortes de dedos longos percorrendo as curvas suadas de meu corpo não tinham nada de ilusão.

Puxei, enfim, o ar para que os pulmões funcionassem de forma progressivamente normal e reparei que meus dedos dos pés continuavam curvados.

A musica que ele mesmo havia escrito tocava fazendo trilha sonora aos meus batimentos descompassados e meus olhos incrédulos tentavam enxergar mentira em seus olhos profundos e tudo que encontrei foi ardor. Intensidade que me queimou a nuca ao pensar o quanto aquilo poderia ir longe e o quanto eu era louca e extremamente competente em estar ali com um homem tão cobiçado que me queria tanto quanto eu o desejava. Ainda parecia mentira, ainda me achava embriagada. Pouco me importava se ele me amava ou não. Ele me queria e eu o queria em mim. Se havíamos pronunciado juras de amor eterno anteriormente não me importava que depois nada disso fosse cumprido, também não me interessava se aquelas músicas que tocavam ao fundo haviam sido escritas para outras mulheres que vieram antes de mim, por instantes era como se ele havia as escrito para mim. Nada importava além daquele momento. Nada além de nós dois e nosso silêncio que acusava nosso cansaço satisfeito.

Recusava-me a pensar em romance e em quando ele partiria para mais uma de suas turnês pelo mundo. Recusava-me a pensar em sofrer, até porque não era romance e eu não o amava, eu amava ele em mim.

Eu o conhecia a mais tempo do que ele sabia de minha existência, eu me colocava em cada verso em que ele referia-se a alguma garota de corpo perfeito e de tantas vezes que havia me imaginado exatamente ali onde eu estava agora. Ele me olhava quieto, como se eu fosse paisagem a ser admirada, me olhava como se eu fosse a tal garota de pele de porcelana da qual ele nunca deixaria que pousasse na cama sem que suas mãos amparassem sua queda.

E me veio a cabeça se ele escreveria uma musica pra mim ou eu seria apenas mais uma. E me vieram as lágrimas que engoli sem pestanejar, mas ele percebeu. Por mais que tentasse não pensar em como estava ali e o porquê, não conseguia me livrar da solidão de estar em companhia perfeita sem sentimento recíproco. Como podia ser tão contra minhas próprias vontades de amar e ser amada naquele momento? Eu como culpada eterna que sou me sentia vendida. Adormeci a drama-queen que existe dentro de mim e tentei pensar racionalmente, sem hesitar levantei e juntei as peças jogadas no chão de madeira meticulosamente encerado. Vesti-me sem coragem de olhar para trás. Derrubei uma pequena caixa que se encontrava em cima da mesa, não precisei de mais nada para finalmente derramar as lágrimas que me desesperavam. Eu não sabia o que estava acontecendo, ou sabia e não queria acreditar.

Senti seus braços apertarem em volta dos meus e nem soube como ele havia chegado lá, já que da última vez que olhei ele estava deitado na cama.

Sussurrou com voz rouca de quem havia acabado de se levantar, mas que carregava certa tensão na voz:

- Não vai a lugar algum.

Pedi silenciosamente que me deixasse partir, mas tudo que consegui como resposta foi um beijo no pescoço e mais um sussurro ao pé do ouvido:

- Acha mesmo que tudo termina aqui?

Achava. Tinha de terminar ali. Nem eu nem ele estavam preparados para tristezas. Eu não queria ser uma canção sobre rompimentos e feridas mal curadas em sua carreira. E por mais que ele negasse, eu saberia se fosse.

Tentei mais uma vez sair, em vão.

- Por favor, não faça disso um motivo de arrependimento. Não estrague o que foi bom.

- Você acha mesmo que vai sair daqui e pronto, acabou?

- Isso depende de você me deixar ir em paz.

- Sem chance.

- O que?

- Eu sei o que está passando pela sua cabeça e posso muito bem lidar com isso.

- Agora você advinha pensamentos?

- Agora você é grossa?

- Isso não vem ao caso, você só está tornando as coisas mais difíceis.

- Não, você é que está, me pareceu bem óbvio o que eu quero de nós.

Onde ele queria chegar com essa história? Não tinha amor. Eram só duas pessoas sendo felizes.

- Não entendo e também não quero.

- Não precisa.

Não precisei entender, ele me fez sentir e eu dificilmente conseguiria apagar o que dentro de mim havia nascido ali e me peguei imaginando como seria dali em diante.

QUE TAL MAIS UM?

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