Tons e sons

3.8.09

O céu estava dramaticamente cinza, preparando-se para desabar. E eu dentro do carro, parada no trânsito, no meio da metrópole cheia de sombras. Lou Reed tocava no rádio chiado pela interferência das antenas. Minha pressa se misturava com a ansiedade de chegar em casa. Meus olhos percorriam sem razão os primeiros pingos que caiam sobre o vidro deixando rastros por onde passavam. De um tom chumbo as nuvens escureciam ainda mais o dia que já estava no final. O cheiro de dióxido de carbono e enxofre enchiam meus pulmões que a muito não sentiam o cheiro de chuva ácida da cidade de São Paulo. Perdi o momento por alguns segundos, o rádio logo me avisou que o trânsito estava insuportável, não era novidade pra mim. Minha vontade era de abrir a porta e correr em direção ao apartamento, em direção ao lugar que me deixava segura e confortável depois de um dia sem cor como aquele.

O semáforo abriu e saí com o carro, fui fechada por um apressadinho, mal educado que me proferiu palavras nem tão agradáveis aos ouvidos alheios. Sorri e deixei ele ir.

Estacionar na garagem escura do prédio era uma das melhores sensações que eu podia ter naquele momento. A sensação de casa, de intimidade. Entrei no elevador, a demora tentadora me deixava mais apreensiva e sagaz. Todos os sentidos em alerta e o coração disparando batidas pra todos os lados. A dor prazerosa no estômago que se apertava evitando que as borboletas se espalhassem dentro de mim, elas batiam vorazmente as asas tentando se libertar.

12º andar. Desci. Andei com o passo cadenciado até a porta branca do 122. Enfim em casa. Procurei minhas chaves dentro da bolsa, o barulho denunciava sua localização.

O encaixe da chave na fechadura me fez tremer. Abri a porta, joguei a bolsa no sofá. Tirei os sapatos vermelhos altos que me mantinham centímetros longe do chão gelado. O piso cinza, as paredes brancas e tudo denunciava meu torpor. Andei até a cozinha, parei no batente. O pacote estava em cima da mesa da cozinha, um quadrado de papel pardo esperando para ser aberto. Fingi que não o vi e continuei andando, abri o armário, peguei uma taça solitária, fui a pia, peguei a garrafa de vinho e enchi a taça. Virei em direção a sala. Parei na beira da mesa. Havia um bilhete escrito a punho, eu conhecia aquela letra apressada, transpirava testosterona daquelas letras borradas, dizia:

“Aprecie sem moderação. Te amo. Ass.: Ângelo."

Peguei o pacote, a garrafa e a taça, caminhei em direção a sala como se o momento fosse eterno, sem pressa. A ansiedade já tinha corroído meus pensamentos e sentidos. Pensei nele. Pensei em mim. Em nós. Então parei de pensar.

A chuva caía insistentemente na janela, fazia barulhos altos que soavam como sinfonia a minha tensão. Abri o pacote pardo, a capa em tons de preto, branco e todas as variações de cinza estava lá. Abri a caixa e tirei o cd de dentro. Não havia tempo de olhar a relação de músicas ou o encarte. Levei a taça a boca e o cd ao aparelho, puxei meus grandes fones de ouvido. Iniciaria ali meu ritual sentimental ao ouvir um novo disco. Deslizei meu corpo até o piso frio da sala escura, coloquei meus fones, puxei minha taça, respirei fundo e dei início ao disco. Fui arrebatada por algo que não saberia explicar nem agora, nem nunca. Meu cenário, minha chuva, minha sala, meu vinho e meus ouvidos. Fechei os olhos e deixei que a música me levasse e me lavasse com a água e o vinho que caiam em mim...chuva? Não...ele me olhava com os cabelos molhados e os olhos cheios de algo que eu sabia bem o que era. o chão antes cinza tomava um tom avermelhado pelo vinho derramado que avançava no tapete banco. Eu sentada no chão com ele aos meu pés completamente ensopado. Eu, ele...a música e a chuva...

QUE TAL MAIS UM?

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